Em Santa Maria, aumenta a percepção de crianças em situação de trabalho infantil

Vitória Parise

Em Santa Maria, aumenta a percepção de crianças em situação de trabalho infantil

Renan Mattos

Fotos: Renan Mattos (Diário)

Para muitos, a infância é sinônimo de alegria, brincadeiras e descobertas. É nessa fase que mecanismos biológicos responsáveis por oferecer as funções sociais, cognitivas, emocionais e físicas das crianças são desenvolvidos. Mas existem algumas questões que não permitem que essa fase seja vivida de forma digna em alguns lares. A falta de recursos faz com que todos os membros familiares tenham que buscar uma fonte de renda, fazendo com que as crianças troquem os brinquedos pela bala de goma que será vendida nos semáforos e restaurantes.

O termo “trabalho infantil” inclui toda e qualquer ocupação que priva a criança de viver a infância com seus direitos primordiais, prejudicando seu desenvolvimento. Em seus mais variados casos, crianças podem ser escravizadas e/ou expostas aos riscos que a rua oferece, com horários rígidos e condições precárias.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), nas convenções n° 138 e nº 182:

É considerado trabalho infantil o trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima de admissão ao emprego/trabalho estabelecida no país;

Os trabalhos perigosos são considerados como Piores Forma de Trabalho infantil e não devem ser realizados por crianças e adolescentes abaixo de 18 anos. Caracteriza-se como trabalho perigoso as atividades que por sua natureza, ou pelas condições em que se realizam, colocam em perigo o bem-estar físico, mental ou moral da criança. Essas atividades devem ser estabelecidas por cada país;

Também são consideradas como Piores Formas de Trabalho Infantil a escravidão, o tráfico de pessoas, o trabalho forçado e a utilização de crianças e adolescentes em conflitos armados, exploração sexual e tráfico de drogas.

No Brasil, essa é a realidade de muitas crianças. De acordo com o último levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2019, 1,758 milhão de crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, estavam em situação de trabalho infantil. Desse total, 706 mil vivenciavam as piores formas de trabalho.

Com o objetivo de sensibilizar e garantir às crianças e adolescentes os direitos básicos, em 2002, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) elegeu o dia 12 de junho como o Dia Nacional e Internacional de Combate ao Trabalho Infantil.

Conjuntura econômica e social

De acordo com Daniel Coronel, professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM, o aumento da disparidade social e econômica tem sido observado nos últimos tempos. Esse resultado se dá em virtude de uma conjuntura econômica desfavorável, que piorou com a chegada da pandemia, aumentando o desemprego e endividamento de famílias brasileiras, que não conseguiram acompanhar o aumento dos preços de itens básicos para sobrevivência.

Um levantamento feito pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mostra que os alimentos foram os produtos que mais afetaram o bolso dos brasileiros. As compras do supermercado estão 31,5% mais caras em 2022, quando comparado com o começo de 2020.

Segundo Daniel, para reverter essa realidade, o cenário econômico do país precisa crescer. Além disso, a criação de políticas públicas e sociais que visam a integração das crianças e adolescentes na economia deve ser feita. Isso inclui cursos de capacitação e formação, além de uma escola que ofereça estrutura necessária para o aprendizado e desenvolvimento, sem esquecer os momentos de lazer e integração social.

– Caso essas ações não sejam feitas, a economia brasileira seguirá amargurando os índices de trabalho infantil. Precisamos de mudanças que coloquem as crianças e adolescentes sujeitos, não objetos. O foco precisa ser a população, e não o rentismo e o capital.

Planejar para garantir um futuro ideal

Em Santa Maria, a Secretaria de Município de Desenvolvimento Social, juntamente do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e o Conselho Tutelar trabalham juntos para oferecer o suporte necessário para as famílias que entram nessa parcela.

O secretário João Chaves, conta que o município está preocupado com essa demanda, que nem sempre é recebida da melhor forma pela comunidade. Ele conta que, muitas vezes, o serviço é mal interpretado. Ainda na manhã em que a entrevista foi realizada, ele ouviu a pergunta: “Então, são vocês que protegem os bandidos?”

 – Na verdade, nossa função é garantir direitos da criança e do adolescente, de acordo com o que diz na Constituição. Queremos que essas famílias tenham o entendimento de que essa criança não deve buscar esse recurso financeiro, esse é o objetivo do nosso trabalho.

Após um período com a equipe reduzida, o CREAS de Santa Maria está atualmente em processo de reformulação, já que a equipe aumentou, e conta atualmente com 16 profissionais. De acordo com a presidente do Conselho Municipal de Assistência Social, Danielle Lang Baratto, as atividades do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) serão retomadas. A ação faz parte das Estratégias do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, e é a principal política pública que trabalha essa questão no país.

O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é responsável por desenvolver os serviços de proteção social básica, e dentro do programa existe o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), que também serão retomados.

 – Esse é nosso maior objetivo, queremos estruturar esse fluxo para realizar o encaminhamento para quem compete cada ação, para conseguir realizar as intervenções – comenta.

Cada caso exige um procedimento diferente

As situações são diversas, e a família recebe abordagem e orientação adequada para a sua realidade. Na cidade, as crianças que pedem dinheiro, vendem doces nas ruas e aquelas que acompanham os pais na coleta de lixo são casos recorrentes. A partir das mudanças, o objetivo é melhorar o fluxo desses casos, e consequentemente, romper com essas atividades. Muitas vezes, inclui-las em programas que possam auxiliar economicamente, como o Bolsa Família, Jovem Aprendiz, são umas das estratégias.

O Serviço Especializado em Abordagem Social será responsável por realizar um levantamento específico sobre essa parcela nas ruas de Santa Maria, verificar onde os casos acontecem, o motivo, qual a idade, entre outros fatores. O levantamento será responsável por mostrar estatísticas precisas, como encaminhar e quais intervenções podem ser feitas.

Nos últimos dois anos, o aumento de casos de crianças e adolescentes realizando a venda nas ruas foi observado. As aulas remotas podem ter favorecido essa situação, já que a presença física não era necessária. Em 2022, com a retomada do ensino presencial, foi observada a redução nesses casos.

A equipe responsável relata que, muitas vezes, a primeira abordagem não é suficiente. Muitas crianças são acompanhadas pelos responsáveis, que os observam de longe. Após a análise individual, caso a criança volte a ser colocada naquela posição, o Conselho Tutelar é acionado. A conselheira Claudete Moreira explica que, a partir disso, são aplicadas medidas de proteção previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 – É feito um trabalho para que essa situação de vulnerabilidade seja estabelecida, e a criança tenha seus direitos garantidos e não violados. Em últimos casos, a criança é afastada, mas em hipótese alguma é nossa primeira opção. Buscamos uma saída para que a família possa permanecer junta – explica Claudete.

Essa questão vai além da vulnerabilidade, economia e políticas públicas. Infelizmente, situações como essas não são mais uma surpresa para quem anda nas ruas, colaborando para a piora desse cenário.  

 – Parte da sociedade olha diferente para a criança que está ali, porque ela não está fazendo aquilo por que quer. Em alguns casos, elas chegam a vender 200 reais de balas por semana. Para uma família em situação de vulnerabilidade, isso é muito. É preciso mudar essa visão, a criança não deve estar ali – reforça a assistente social e coordenadora do CREAS de Santa Maria, Janaina Schmitt Procopio.

Novas atividades

A retomada das ações do PETI será realizada no dia 23 de junho, em um seminário na Faculdade Palotina (FAPAS), nos turnos manhã e tarde. O evento será direcionado para a rede de atendimento, e profissionais que prestam esse tipo de serviços do município.

A programação, que está em fase de ajustes finais, terá a presença de profissionais da justiça, e também profissionais de outros municípios que trabalham com o programa, para a troca de experiências. De acordo com Maiara Porto, Assistente social no CREAS, a infância é essencial no período de desenvolvimento, por isso a importância de garantir as necessidades básicas de cada indivíduo.

 – Entendemos que grande parte da comunidade acredita que é normal, já que muitos trabalharam quando pequenos. Essa é uma demanda muito emergente e queremos trazer essa capacitação para Santa Maria, e a partir disso, iniciar as discussões e os planos futuros.

Por Vitória Parise, [email protected]

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